2016-06-13
Buenos Aires #1
Buenos
Aires acolheu-me com chuva, na manhã de Domingo de Pentecostes. Mesmo se fechássemos
os olhos no percurso entre o aeroporto e o centro de qualquer cidade, as
periferias continuariam a existir. É como se nos lembrassem que no mundo dos
homens a beleza é uma exceção artificial, a cosmética com que disfarçamos a
nossa irreprimível tendência para entropia da miséria, da caducidade, da
grandíloqua performance da morte no seu irónico prosaísmo. Eram 10 horas quando
me instalei no hotel. Tinha saído de casa pelas 17 horas do dia anterior. O
tempo é uma das mentiras com que tornamos suportável a vida. Saí para as ruas
do bairro de San Cristóbal, sem guarda-chuva nem pesos argentinos. Entre as
casas típicas do final do século só a miséria se entranha nas
paredes, esbate as cores e infeta as vidas. Percorro quilómetros a pé:
Independencia, Entre Rios, Callau, Santa Fe... Já tinha pesos argentinos quando
entrei na livraria El Ateneo: um bom lugar para se abrigar da chuva e aceder a
uma rede wi-fi livre. Perguntei a um funcionário pelos livros de Julio Ramon
Ribeyro. Não havia. Nem sequer o conhecia. Encontrei dois livros de Pessoa.
Ponderei comprar uma antologia bilingue da poesia de Sharon Olds. Borges e
Galeano com algum destaque. A literatura circunscrita a meia-dúzia de estantes
numa das livrarias mais conhecidas do mundo. Entretanto, anoiteceu em Buenos
Aires, como mais cedo ou mais tarde anoitece em todos os lugares.